quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Alphavella


Amontoado de casas padronizadas
Em fachadas sem reboco e tinta
Arquitetura no estilo neo-inacabadas
Eis a minha, para que eu não minta.

No conjunto todos tem uma formação:
Catadores, ambulantes, pedreiros
Porteiros, zeladores, frentistas
Feirantes, domésticas, motoristas...

Em contado direto com a natureza
Animais sempre estão por perto
Ratos, baratas, formigas, moscas, etc.
Os condôminos menos abastados
Usufrui vista para esgoto a céu aberto.

Verduras e frutas ora são retiradas
direto do lixo, por pais de família
cansados de apreciar o verde
de fome, na cara dos filhos.

Desde cedo as crianças também
ganham uma formação profissional,
como vendedor de amendoim torrado
nos bares da cidade e catador de latinhas
durante o carnaval...

Mesmo marcadas pela triste sina
vemos solidariedade no coração da menina
Que divide com a coleguinha o único
par de patins de rodas gastas
E saem as duas numa patinação manca,
desajeitadas e felizes, pelo chão íngreme.

A brincadeira é na base do improviso
O skate sempre falta uma ou duas rodas
No quesito junta tudo e joga fora,
a bicicleta também não fica para traz
Falta pneu, corrente ou pedal,
mas ainda assim as satisfaz.

É um bom lugar para morar, apesar de tudo
Há sempre sinal de vida
nas ruas
e dentro das casas.

Para os adultos o lazer é a TV, a cerveja,
o bate-papo no bar da esquina,
o campo de futebol
ou uma das centenas de igrejas.

Empreendimento presente em todo o país
Uns situados nas periferias;
outros encravados em morros e
em grandes centros urbanos
Habitados sempre pela mesma gente:
Negros, pobres, sofredores,
humanos
Demasiados humanos.

Simulacro



Cientistas fazem experiências
em ratos e macacos

As minhas, faço com palavras

Astronautas simulam
suas ousadas viagens espaciais

Eu simulo talentos
para fazer as minhas viagens

Só isso, nada mais

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Catador de palavras


No fundo da xícara
uma velha vidente lia
o futuro de um jovem estudante.
Destes, do fundo da sala;
candidato do fundo da fila;
passageiro do fundo da condução.
E viu um homem no fundo do posso
catando palavras apodrecidas
do fundo do coração.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Dentro do meu sapato


Dentro do meu sapato
tinha uma barata
Tinha uma barata
dentro do meu sapato

Nunca me esquecerei que
não era uma pedra, de fato
Nunca me esquecerei
que tinha uma barata
tinha uma barata
dentro do meu sapato

Universo de coisas


Abaixo de mim/e deste verso/
Universo  

Universo/
Acima de mim/e deste verso

Ao lado direito de mim/e deste verso/universo
Universo/ao lado esquerdo de mim/e deste verso

À frente/Universo/deste verso
Atrás/de mim e/deste verso

Em volta de mim/e destes versos/
Gira um/universo/de coisas

Em volta do/universo/
Não gira/coisa nenhuma

O ônibus passou direto/para não me lavar
O vento trouxe a cédula/pra eu achar

A pedra ficou no meu caminho/para eu tropeçar
O pombo não esperou/eu passar...

Ela cruzou o meu caminho/para eu olhar
O que eu não conheço/não sinto/não existe

Em qualquer lugar que estiver/estarei no centro
Enquanto o/universo/for/infinito

Zumbis


Um DJ de buzú incomoda muita gente
Um pessoa vidrada no aparelho celular
incomoda incomoda incomoda incomoda
incomoda incomoda incomoda incomoda
incomoda incomoda incomoda muito mais.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Poema perecível



Quem é o seu poeta favorito?
Será aquele a quem você pode oferecer flores em vida,
ou pode senti-lo se revirando de indignação,
por qualquer motivo, não dentro de um caixão,
mas, de perto, em carne e osso?
Às vezes com predominância de osso, mas ainda vivo!

Ou será aquele que você pode xingar, beijar, abraçar,
apertar a mão, contestar e até questioná-lo
sobre o que ele queria dizer com aquele poema?
E com um pouco de sorte não ouvi-lo dizer:
“Eu também queria saber...”

Será um poeta que você poderá não somente
discordar ou concordar com as suas idéias,
mas também influenciar, inspirar, e quem sabe até
ser o tema de um poema inteiro?
Aquele que você poderá chamar de amigo;  
Que está próximo no tempo e no espaço;
Que não desconhece a sua existência;
E pode até falar mal de você, mas fala de você,
porque não ignora a sua pessoa.

Talvez o seu poeta favorito seja...
aquele que você pode convidar para um café, um sorvete,
uma visita à igreja ou uma cervejinha no Rio Vermelho;
Aquele que você pode ligar a qualquer hora do dia ou da noite;
Aquele que você pode mandar uma carta um email
dizendo: Eu te amo!;
dizendo: Eu te odeio!
Não sei... Qualquer coisa...

Sem mais rodeio
Este é um poema com curto período de validade.
Depois de lido, no nosso caso,
utilizar suas sugestões só até o dia da minha morte.
Quando me juntarei aos inacessíveis de verdade.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Poemática


Depois de muitas rasteiras
Da gramática
Depois de muitas voadoras
Da matemática
Depois das imobilizações
Da informática
Aprendi a respeitar as minhas limitações
Criei minha didática
Cheia de formas, ritmos, métricas, rimas
E variada temática
Agora sou eu que acerto os golpes, sempre
Dentro da poemática

Xilindró


Na segunda
ele deu um tapa em minha cara
Na terça
ele deu um soco na minha cabeça
Na quarta
pediu perdão através de uma carta
Na quinta
ele bebeu e me mandou pro quinto
dos infernos
Na sexta
trouxe flores e jurou amor eterno
No sábado
tocou em mim pela última vez
No domingo
tomei coragem; procurei ajuda
e ele foi pro xadrez

Um passarinho me contou


Um passarinho pousou em minha cabeça e disse:
-Você não está percebendo que está suado?
-Melhor tomar um banho, agora!
Eu atendi, e fui tomar banho antes que viesse outro e
me dissesse outra coisa diferente.
Mas, dentro do banheiro, outro passarinho
pousou novamente em minha cabeça.
Tentei descobrir de onde viera e quem o enviou, mas...
não consegui, e sobre isso ele nada me falou.

Dava para sentir suas garras afiadas roçando o meu
couro cabeludo e fazendo cócegas em minha cabeça.
Eu sabia que não era a caspa. É bem diferente.
Por isso coloque-me frente ao espelho, na esperança de vê-lo,
e nada vi. Mas sei que ele estava lá me dizendo coisas.
Muitas das quais eu nem queria saber.
Até assobiou para mim a canção que eu deveria cantarolar,
sob os pingos de água gelada, no chuveiro.
Sempre foi assim, eles não me deixam nem durante o sono.