terça-feira, 2 de outubro de 2012

Eu também sou assim


Em visita a casa da minha tia, eu, como sempre, fui ver a gaiola do calopsita.
Ao me ver tão próximo  do seu espaço o coitado fica trêmulo, assustado com 
a minha presença. Vendo aquilo eu parei e pensei:
Eu também sou assim quando estou com muito medo de alguma coisa.

Quando eu criava pombos ficava vendo a performance deles na hora de 
conquistar a parceira. Ele rodava em volta da pomba, arrulhava e 
inchava o peito para que sua escolhida pensasse que ele era o dono do pedaço.
Vendo todo aquele ritual eu parava e pensava: Eu também sigo um ritual 
quando quero conquistar alguém.

Uma vez eu vi um rapaz tentando dar pedradas em uma ratazana. 
Obviamente ele tentava matá-la, e continuou a desferi-lhe pedradas,
assim como nossos antepassados pretenderam contra Madalena. 
Então, em uma das tentativas ele conseguiu acertar uma imensa pedra no 
pobre animal e ele chiou como se sentisse dor. Deve ter sentido porque 
eu também teria a mesma reação ao levar uma pedrada.

Eu criei por mais de dez anos uma cadela da raça fila brasileiro.
Ela adorava dormir e às vezes eu ficava observando-a, em sono profundo, 
inconsciente, alheia das coisas no mundo. Keise chegava a roncar alto. 
Vendo aquilo eu parava e pensava: Exceto a parte do ronco, quando estou dormindo 
eu também fico assim...

Minha sobrinha tem um cachorro que fica no quintal porque minha mãe
não o quer dentro de casa fazendo as bagunças que cachorros fazem.
Ele se recusa a ficar na casinha que era de Keise e prefere dormir pelos cantos. 
Um dia eu tive que tirá-lo da chuva trêmulo de frio, o sequei com um pano 
e deixei que passasse a noite dentro do meu quarto, livre da chuva. 
Já perdi a conta das vezes que precisei limpar os pratinhos, colocar comida e 
água fresca. Para em seguida ele comer e beber como um náufrago. 
Vendo estas cenas eu sempre paro e penso: Quando estou com muito frio, 
fome e sede eu sou exatamente assim...

Uma formiga pode carregar pesos absurdamente superiores ao seu.
É também um absurdo o percurso que ela faz até chegar ao formigueiro, 
correndo o risco de ser pisoteada por acaso. Observando uma delas carregar 
um pedaço de folha pesadíssimo, eu me vi carregando areia, para
a construção daqui de casa, nas costas, rezando para chegar logo ao final.
Os burros são solidários, pois passam toda a sua vida a ajudar pessoas a 
realizarem as tarefas mais duras e não cobram muito por isso. São fortes, 
amáveis e fazem tudo certinho, quieto, calado. Mesmo assim não ganham uma 
cela nova ou uma carroça melhor para puxar. Ninguém dá valor 
e quando não precisam mais, abandonam na beirada da estrada, pois 
não conseguem ver suas qualidades de bom companheiro que 
só se encontra em um cão, como bem sabe o Zé-do-Burro de Dias Gomes: 
"Eu vi que nunca mais ia ouvir os passos dele me seguindo por toda a parte, 
como um cão. Até me puseram um apelido por causa disso: Zé-do-Burro. 
Eu não me importo. Não acho que seja ofensa. Nicolau não é um burro como 
os outros. É um burro com alma de gente. E faz isso por amizade, por dedicação. 
Eu nunca monto nele, prefiro andar a pé ou a cavalo. Mas de um modo ou de outro, 
ele vem atrás. Se eu entrar numa casa e me demorar duas horas, duas horas 
ele espera por mim, plantado na porta.
Um burro desses, seu padre, não vale uma promessa?" 
Pergunto-me, então: Que mal há em ser comparado a um burro caprichoso 
feito Nicolau?

Ouvi dizer que uma cobra pode comer outros animais bem maiores e 
mais rápidos que ela, e só mata para se alimentar. Não ataca pessoas a não ser que 
pisem nela ou a incomodem em seu canto. Ou seja, só ataca humanos para 
se defender dos mesmos. Desta forma, se alguém me chamar de cobra 
não me ofenderá porque eu também sou assim...

Não me lembro bem onde vi e ouvi essas pessoas que falam de Jesus,
falam de amor, não violência e altruísmo, e no dia seguinte dizem que marginais, 
ladrões e estupradores tem que pagar as dividas com a própria vida. 
Diante disso eu me lembrei da história do massacre no Carandiru, 
entre outros massacres e chacinas que temos o desprazer de lembrar.
Então eu parei e pensei: Sinceramente, eu não sou assim...

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